Casa de arquitetos
Projetar a própria casa é um desafio para qualquer arquiteto. É, também, uma oportunidade única de experimentação. Com essa ideia em mente, o casal de arquitetos Pedro Grilo e Joanne Viana comprou esse pequeno apartamento de dois quartos, situado em uma das quadras mais antigas da Asa Norte, em Brasília.
O apartamento faz parte de um conjunto de 7 blocos residenciais construídos em 1967 pela antiga SHIS (Secretaria de Habitação de Interesse Social), atual CODHAB. Projetados pelo arquiteto Mário Bakaj, os prédios possuem apartamentos de 2 e 3 quartos (com áreas de 68 e 90m²) e são marcados pela presença de vigas de concreto em balanço que parecem empilhadas umas sobre as outras, dando às fachadas uma volumetria atípica para os padrões prismáticos da época. A robustez dessa estrutura contrasta com o revestimento empregado na vedação externa, bem como nas paredes internas das salas dos apartamentos originais, uma cerâmica avermelhada que remete às alvenarias de tijolos maciços. Tal caraterística foi de tal forma assimilada pelos moradores que rendeu aos prédios o apelido de “blocos de tijolinhos” e ainda hoje, 50 anos após a construção, segue apreciada, resistindo às sucessivas renovações de fachadas sofridas pelo conjunto.
Antes da reforma, o apartamento encontrava-se em estágio avançado de degradação, com infiltrações provenientes de tubulações enferrujadas, cabeamento elétrico obsoleto e caixilharia de ferro emperrada com vidros quebrados. O piso original, de Tauari, estava arranhado e apresentava um rangido característico. Os “tijolinhos” haviam sido removidos da sala. As lajes de concreto, pintadas de verde claro.
O projeto de reforma tomou como premissa o restauro dos elementos originais – esquadrias de ferro e piso de madeira – bem como a substituição das instalações antigas. Com a demolição da maior parte das paredes, a estrutura foi exposta para ser posteriormente lixada e tratada. Assim, lajes e vigas foram deixadas à vista, em concreto aparente. Tal qual nas fachadas do edifício, as paredes periféricas de todo o apartamento foram revestidas com um ladrilho cerâmico semelhante ao original, porém aplicado em duas tonalidades de forma a demarcar a contemporaneidade da intervenção. O efeito resultante foi a continuidade material entre o interior e o exterior do apartamento, evidenciada nos espaços sociais.
Para além da questão material, a demolição das paredes originais revelou três colunas internas, duas das quais situadas em posição crítica, impossibilitando a integração da sala com a cozinha, uma premissa de projeto. Tal descoberta gerou um impasse, solucionado através da experimentação de dezenas de leiautes alternativos. Por fim, a planta escolhida foi a que apresentou a solução mais radical: realocar a cozinha no lugar da sala, a sala no lugar do quarto maior e o quarto no local da cozinha. Um giro completo.
A proposta representa uma ruptura com a tradicional tripartição da casa brasileira em núcleos predefinidos – social, íntimo e serviço – substituída por uma divisão mais contemporânea – dia-noite ou público-privado. Nessa configuração, cozinhar e lavar roupa não mais são entendidos como serviços – delegados a um funcionário e, por isso, segregados da atividade familiar – mas como atividades cotidianas dos moradores, alocadas próximas a espaços mais compatíveis: a cozinha junto à sala, incentivando o hábito salutar de cozinhar; a lavanderia próxima dos banheiros e quartos, evitando a exposição da roupa íntima aos visitantes da casa, bem como o cheiro de comida nas roupas penduradas.
Os banheiros originais do apartamento tinham tamanhos e funções distintas: o banheiro grande atendia os moradores, o pequeno atendia aos empregados da casa. O espaço ocupado pelos dois foi redividido com paredes de gesso acartonado, de modo a criar uma suíte para o casal, um banheiro para uso da casa e uma pequena lavanderia, suficiente para a demanda do casal. No teto desses espaços, as vigas não mais coincidem com as paredes, contando um pouco da história da reforma.
A separação entre os dois núcleos é delineada por uma linha contínua de armários, principal elemento construído do espaço. Seu projeto foi elaborado de modo a atender as demandas de armazenagem dos principais ambientes do apartamento: em um lado a sequência geladeira, fornos, despensa, estante de livros e painel para televisão; do outro o armário do escritório, o maleiro do corredor, a bancada com lavatório e o guarda-roupas da suíte.
O apartamento é bem provido de janelas ao largo dos dois maiores lados do seu perímetro, ambos amplamente arborizados. A nova disposição da planta fez bom uso da orientação solar das fachadas: no lado social, o nascente, voltado para os belos jardins da quadra; na parte íntima, o poente, voltado para as árvores que sombreiam o estacionamento do edifício.